quinta-feira, 22 de julho de 2010

Crônicas de um palhaço sem graça - 5º Episódio


Deitado no escuro, seu fone de ouvido tocava uma trilha sonora aquática, algo que embalava a sua única lágrima que se desprendera e escorria tímida sob o lado direito da sua face. Transitava como uma informante enferma daquilo que congestionava o peito; escoava como fugitiva, como rastro de vida, como força que ainda pulsava dentro da sua couraça cansada, malhada inúmeras vezes, e que ele ainda hoje carregava a duras penas. A sensação era de afogamento, de dentro para fora era verdade, mas a sensação era essa. Os olhos embaçavam como parabrisa em dias de chuva e a pele se mantinha seca e áspera como asfalto. Respirava fundo em busca de humidade, como se buscasse o poço onde encontrasse a fonte termal... enquanto isso, pela janela, as sombras das árvores dançavam débeis na parede rivalizando com os pensamentos que circulavam sem sentido, só por hábito. As lágrimas que gritavam e se insinuavam continuavam inertes, quase que engarrafadas, na iminência de se derramarem...

-Respira fundo outra vez.

Mas não se derramavam. E tanta coisa passava pela sua cabeça, mas ele queria mesmo era se entregar, se afogar. Que se despencassem logo, ora bolas... Queria mergulhar sem aparelhos, apnéia total, gostaria de ter outras rachaduras no seu rosto, outras que fugissem a sua permissão, outras que lhe fizessem não precisar pensar nem dizer nada. Queria simplesmente desgelar o seu congelador e escorrer-se todo, molhar o chão e então poder escorregar. Gostaria de sentir-se fraco; gostaria de sentir-se.

Até não sobrar mais nada.

Quando viu as primeiras palavras escritas, percebeu que novamente não seria hoje. Paciência.

Sugestão de música: Tesoura do desejo - Alceu Valença.
Imagem by Niltim Lopes - www.flickr.com/niltim